
Estudo da Compatibilidade
Os testes de histocompatibilidade associados a transplantação tem evoluído dramaticamente nas última décadas na medida em que as técnicas para a tipagem HLA têm melhorado em termos de sensibilidade e especificidade.
Apesar disso, o objetivo destes testes mantém-se inalterado: no contexto de um potencial dador, providenciar uma estimativa fiável do risco imunológico associado à probabilidade do sistema imunitário do recetor reconhecer o enxerto como estranho e iniciar uma resposta inflamatória, resultando em lesão e rejeição do mesmo.
Tipos de Enxertos
1
2
3
4
Autólogos: quando pertence ao mesmo indivíduo.
Singénicos: quando é feito entre indivíduos geneticamente semelhantes (Ex: gémeos idênticos).
Alogénicos: quando é feito entre indivíduos diferentes da mesma espécie (podem ser ou não aparentados). → maioria
Xenogénicos: quando é feito entre indivíduos de espécies diferentes.
Enxerto/Graft = órgão, tecido ou célula a ser transplantado.
1. Tipagem ABO
Os antigénios ABO encontram-se expressos não só nas células sanguíneas, mas também noutros tecidos, em particular nas células do endotélio vascular.
Assim, transplantes de orgãos sólidos ABO-incompatíveis foram, durante muito tempo, contraindicados. No entanto, com o desenvolvimento de várias técnicas de dessensibilização e imunossupressão, a transplantação de órgãos sólidos ABO-incompativeis deixou de ser uma contraindicação absoluta.
Numa transplantação de orgãos sólidos ABO-incompativeis, o nível de anticorpos ABO do recetor devem ser reduzidos abaixo de um limite específico através de dessensibilização antes da cirurgia.


2. Tipagem HLA
Fazer tipagem HLA significa caracterizar, quer o dador quer o recetor, relativamente aos genes HLA que cada um expressa, de modo a escolher o melhor par dador-recetor para o transplante.
Em caso de transplante, o melhor dador é aquele cujo HLA é mais idêntico ao do recetor.
Quanto melhor o matching HLA, maior será o sucesso do transplante e menor serão as complicações associadas.
O estudo HLA do dador e do recetor faz-se a partir de uma amostra de sangue periférico, e pode ser feita através de:
Métodos Moleculares
As moléculas de HLA são proteínas expressas na superfície das células e codificadas por regiões de DNA localizadas no braço curto do cromossoma 6.
Através de métodos moleculares somos capazes de descrever estas sequências de modo a fazermos a caracterização dos genes HLA do recetor e do dador.
Pelo facto de serem técnicas de alta resolução e alto rendimento, atulmente, os métodos moleculares são cada vez mais utilizados como método de preferência nas tipagens HLA.
Existem várias técnicas, incluindo:
1. Sequence specific primer PCR (SSP-PCR)
Procura a presença ou ausência de polimorfismos utilizando primers específicos para essa sequência.
Metodologia: O DNA é isolado do individuo a quem vai ser feita a tipagem e amplificado em múltiplos poços. Cada um dos poços deve conter primers complementares de alelos HLA específicos.
Apenas irá ocorrer formação de um produto de amplificação, se o DNA do individuo for complementar aos alelos HLA do primer num determinado poço. Os produtos de cada poço são posteriormente separados por eletroforese. Se o produto de amplificação estiver presente, então o HLA do individuo pode ser determinado pela identificação dos primers que se encontravam naquele poço.
Vantagens: Método rápido na obtenção de uma tipagem HLA completa sendo por esta razão a tecnologia de eleição na tipagem HLA para transplantação por dadores-cadáver.
Desvantagem: Técnica relativamente cara, pois requer grandes quantidades de primers, DNA polimerase e amostras de DNA. Para além disso, a capacidade de processar várias amostras simultaneamente é limitada pelos recursos disponíveis, tal como o número de termocicladores num determinado momento.


2. Sequence specific oligonucleotide probes (SSOP)
Depende da amplificação de exões nos genes HLA que contem as regiões hipervariaveis que conferem ao alelo a sua especificidade.
Metodologia: Múltiplos produtos de amplificação por PCR são hibridizados com uma série de sondas de oligonucleótidos complementares a segmentos de DNA com variações específicas de bases. A ligação de sondas é detetada usualmente através de técnicas baseadas em quimiluminescência permitindo a interpretação dos alelos HLA do individuo.
Vantagens: É adequada para a tipagem de um grande número de amostras ao mesmo tempo. Para além disso é o método molecular mais económico em termos de quantidade de DNA necessários pois apenas uma amplificação PCR é necessário por amostra.

3. Sequence based typing (SBT)
Metodologia: Este método envolve a amplificação por PCR de regiões codificantes específicas de genes HLA e a sequenciação dos produtos de amplificação.
Vantagens: Permite a interpretação detalhada dos alelos HLA por comparação da sequências de nucleótidos das regiões polimórficas e conservadas do gene de HLA em base de dados.
4. Next-Generation Sequencing (NGS)
As técnicas de NGS consistem na fragmentação do DNA e adição de adaptadores, gerando-se bibliotecas de transcritos e procedendo-se ao seu sequenciamento. Esta técnica permite a geração de milhões de fragmentos através de um teste de elevada fiabilidade, rapidez e vantajoso em termos de custos.
Independentemente do método utilizado, a tipagem HLA através de métodos moleculares oferece uma documentação mais precisa das diferenças HLA entre dador e recetor, com vários alelos discriminados em todos os loci de interesse, e com resolução ao nível do aminoácido.
A tipagem molecular é muito mais especifica do que a tipagem serológica
Métodos Serológicos


Os primeiros métodos utilizados para definir os polimorfismos HLA eram baseados em técnicas serológicas, nomeadamente utilizando o teste baseado na linfocitotoxicidade dependente do complemento (CDC).
O teste CDC foi desenvolvido em 1964 por Terassaki e McClelland.
Neste teste, células e soro são misturadas em poços num tabuleiro Terasaki. Após 30 minutos, é adicionado soro de coelho como fonte de complemento e a plataforma é incubada por mais 60 minutos.
Se um poço contiver um anticorpo com especificidade para molécula HLA expressas na superfície das células, a ligação do anticorpo vai ativar o complemento de coelho. A ação lítica do complemento ativado resulta em morte celular.
A reação é depois fixada, corada e lida na parte de baixo do tabuleiro Terasaki utilizando um microscópio invertido. Morte celular é registada como uma reação positiva e o padrão das reações é interpretado para determinar o fenótipo HLA.
Este método permite-nos estudar-se tanto o dador como o recetor.
Vantagens dos métodos serológico incluem a rápida obtenção de resultados, que assume particular importância na tipagem de dadores-cadáver. O estudo serológico tem baixa sensibilidade e especificidade, pelo que, atualmente, é dada preferência aos métodos moleculares




3. Teste de Panel Reactive Antibody
O teste PRA pretende informar qual a taxa de sensibilização do doente, ou seja, se tem anticorpos anti-HLA pré-formados relativamente a um painel de dadores.
Sensibilização transitória ou permanente com anticorpos para antigénios HLA pode ocorrer por exposição a HLA estranhos durante:
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gravidezes,
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transfusões de sangue,
-
transplantes prévios.
Se um indivíduo estiver hipersensibilizado, há uma diminuição do acesso a transplantação associado a razões mais altas de crossmatches positivos e exclusão de dadores com antigénios inaceitáveis.
Este teste permite estimar quanto tempo o indivíduo vai estar em lista de espera na medida em que, em caso de hipersensibilização, torna-se mais difícil encontrar um dador com o qual os anticorpos não reajam com as células do dador, e por isso, o transplante pode estar dificultado.

Metodologia
São recolhidos linfócitos de dadores de células com tipos de HLA variáveis, de modo a formar uma painel de células completo e que seja representativo da distribuição de antigénios HLA da população na qual o dador possa ser selecionado.
Em cada um dos poços individuais são colocados linfócitos de um dador, soro do recetor, complemento e corante.
Se o soro do recetor tiver anticorpos anti-HLA contra algum dos dadores há ligação deste aos antigénios da superfície das células do dador, o complemento é ativado e ocorre morte celular nesse poço.
Interpretação
Se num painel de 40 células, ocorrer morte celular significativa em 30 dos poços de reação, o valor de PRA seria de 75% (ou seja, reagiu a 75% dos dadores) o que corresponde a uma alta taxa de sensibilização.
Quando o valor de PRA é superior a 50%, diz-se que o doente está hipersensibilizado.

4. Crossmatch
O objetivo do crossmatching é detetar a presença de anticorpos anti-dador no soro do recetor contra os antigénios do dador, nomeadamente moléculas HLA.
Ou seja, após a escolha do dador, avaliamos a capacidade do soro do recetor destruir as células do dador.
CDC
Metodologia: Utiliza uma placa com poços onde ocorre a reação linfócitos do dador, soro do recetor (contendo os seus anticorpos) e complemento. Se as células do dador tiverem antigénios na sua superfície para os quais anticorpos de cada poço tenham especificidade para ligar, o complemento é ativado nesses mesmo poços e ocorre formação do complexo de ataque à membrana (MAC) que se insere na membrana das células conduzindo a morte por lise celular. De seguida, um programa estima qualitativamente a percentagem de morte celular usando um microscópio.
Interpretação: Morte celular deverá ocorrer em qualquer poço em que ocorra matching dos antigénios presentes nas membranas das células do dador e os anticorpos do soro do recetor.
Se houver lise das células, dizemos que o crossmatch é positivo. Nesse caso, não se pode fazer o transplante e tem que se escolher outro recetor, de modo a evitar que, ao colocar o órgão no recetor, os de anticorpos anti-HLA reconhecerem as células como estranhas, apesar de haver todas as compatibilidades analisadas anteriormente.


AHG-CDC

A quantidade de crossmatches falsos-negativos diminuiu com o desenvolvimento em 1972 de uma segunda geração de CDC utilizando anti-globulina humana (anti-IgG). A adição da anti-IgG antes do complemento permite aumentar a ligação às moléculas de modo a ativar o complemento a induzir morte celular citotóxica.
Assim, esta técnica utiliza uma anti-imunoglobulina para aumentar a sensibilidade da CDC.
Citometria de fluxo

A nova geração de ensaios introduzido em 1983 utiliza citometria de fluxo para detetar anticorpos independentemente da ativação do complemento.
Metodologia: Adição de reagentes fluorescentes que se ligam aos anticorpos anti-HLA do soro do recetor bem como a proteínas específicas que se encontram na superfície das células T (CD3) e B (CD19) do dador. A amostra é passada através de um citómetro de fluxo de modo a detetar anticorpos anti-HLA ligados a células T e B, ao nível da célula individual.
Interpretação: Se houver emissão de fluorescência, o crossmatch é positivo, ou seja, o indivíduo tem anticorpos anti-HLA contra o dador e não se pode fazer o transplante.
Vantagens: Este método pode ser altamente automatizado e não requer citotoxicidade e morte celular. Para além disso é uma técnica com maior sensibilidade

Testes de fase sólida

Metodologia: utilizam-se moléculas de HLA solúveis ou recombinantes em vez de linfócitos. As moléculas de HLA purificadas são fixadas a meios de fase sólida, por exemplo plataformas de ELISA ou esferas sólidas e de seguida ligam-se a anticorpos do soro do recetor. As esferas sólidas podem ser passadas num citómetro de fluxo (FlowPRA) ou podem ser multiplexadas numa suspensão numa plataforma Luminex®, permitindo a análise de alto rendimento de vários amostras numa única câmara de reação.

Antes do transplante, a obtenção de um crossmatch positivo contraindica absolutamente a transplantação enquanto um crossmatch negativo permite prosseguir com a transplantação
Conclusão

Existe um enorme apoio clínico na área da transplantação como tratamento de escolha para falência de órgãos. Como resultado, este é um campo em rápida expansão quer clínica quer academicamente. Avanços técnicos no desenvolvimento de metodologias moleculares para tipagem HLA de alta resolução estão sempre em progresso. Até ao desenvolvimento de terapias imuossupressoras que garantam a proteção dos enxertos sem qualquer efeito secundário, haverá sempre necessidade de recorrer a tipagem ABO e HLA para determinar a compatibilidade recetor-dador.